Morei em duas cidades nos meus “anos de formação”, dos 0 aos 17 anos - depois fui pra Porto Alegre fazer faculdade. Ambas dessas cidades onde eu cresci são no interior: nasci em Curitibanos (SC) e com 9 anos me mudei pra Santa Rosa (RS), cidade natal dos meus pais e onde toda a família deles mora.
Apesar de 9 anos ser pouco olhando agora, eu já me considerava muito “enraizada” em Santa Catarina por toda minha vida ter acontecido lá até então. Aprendi o que é “calçada” com a faixa de cimento e pedrinhas minúsculas na frente da minha casa, aprendi o que é “praça” com a quadra de árvores e balanços a alguns metros de onde eu morava, aprendi a andar de bicicleta no estacionamento da agropecuária que cheirava a alho no terreno vizinho.
Todo o aprender a se relacionar e me localizar no mundo foi ali, então quando tive que me mudar pro RS me senti deslocada - na minha cabeça era como se o “ponto de origem” daqueles gráficos matemáticos em X e Y estivesse desequilibrado. E pela cultura gaúcha ser muito expressiva - tanto no tático quanto no intangível - isso acentuou ainda mais esse senso de não pertencimento.
Queria voltar, tinha dificuldade pra me relacionar com os colegas que falavam com sotaque e palavras diferentes. Eu fazia questão de mostrar que era “barriga verde” (como chamam os catarinenses aqui) ao me recusar a cantar o hino do RS na escola, ou negar me vestir de prenda na Semana Farroupilha. Criticava as músicas tradicionalistas que meu vô ouvia com orgulho só pra fazer birra.
Em alguns momentos nos anos seguintes, voltei pra minha cidade natal pra visitar amigos e - pá! - ironicamente, agora eu também não pertencia lá. Meu sotaque tinha se transformado, havia outra família morando na minha casa (que pintaram de outra cor), lugares de que eu lembrava já não existiam. Meus amigos tinham novos colegas, eu era a “gaúcha”. Voltava pro RS e era a “catarina”.
Apesar de ser acentuada com a dramaticidade da pré-adolescência e hoje eu ver que talvez não fosse algo tão problemático quanto eu lembro, essa mudança entre estados próximos mas antagônicos (existe uma certa rivalidade, principalmente do RS em relação a SC) teve um impacto na forma como eu cresci com essa sensação de estar sempre deslocada, em deslocamento.
Só depois, quando fui pra capital estudar, é que vi que as duas cidades onde cresci eram muito parecidas. A cultura interiorana - tomar mate com cadeira de praia na calçada, brincar na rua, cumprimentar todo mundo, conhecer as pessoas mais pelo coletivo de suas famílias do que pelo individual, tomar banho de rio, conhecer tudo que é bicho - é o que considero de mais precioso no meu processo de crescer.
Às vezes cheiro de grama cortada, antes da chuva um cheiro ruim que vem do frigorífico. Em geral, nenhum cheiro em particular
Caminhar nas ruas sem rumo de noite com amigos