participante 127

Cidade com longas ladeiras pede que o corpo descubra suas vitaminas para ter força para seguir. Pede que as pausas para recuperar o folêgo sejam respeitadas e valorizadas. A chegada celebrada. E na volta, na descida da ladeira, de bicicleta, a cidade pede entrega e confiança quando as mãos se soltam do guidão
.
.
.
.
Entre subidas e descidas há um meio. Um encontro. Um suspiro. Uma paisagem que desperta contemplação.
.
.
.
.
A cidade me deu olhos de observar sanhaços. Fincou meu corpo na terra.

Gosto do mato mas a cidade também tem seus encantos.
A incansável busca pelo sol nas brechas
A sombra do manjericão no quintal de concreto
O carro do "caqui docinho por apenas dez reais mas traga a sua bacia"
A surpresa de topar com um sanhanço numa esquina.
A cidade e seus barulhos e seus movimentos e seus cheiros
Me revela sujeito feito de fitar naturezas.
Depois de um ano morando na roça
Com abundância de sol
Sombra de copas
Fruta do pé
Pássaro passeando livre pela cozinha.
É na cidade que me asseguro de mim

Meus vizinhos da vila:
Casa 1: tocador de sanfona e teclado. Fã de Queen
Casa 2: homem idoso que sempre repete "eu fundei o PT", tem problemas com alcool e bebe kaiser. Sente saudade da mulher que foi seu grande amor e repete as mesmas histórias sobre ela milhares de vezes
Casa 3: rapaz que trabalha com T.I
Casa 4: jovem boliviana muito bonita e simpática
Casa 5: dona de dois gatos e do cachorro que passeia sozinho
Casa 6: cara que tem uma risada escandalosa e alta
Casa 7: Um outro cara que gosta dos filmes de Bergman e precisa devolver meu livro sobre ele
Casa 9: rapaz que aos finais de semana trabalha na lanchonete dos pais.

Meus vizinhos são pessoas que precisam menos de silêncio do que eu.

O chão que eu to pisando é um chão que não se satisfaz apenas com o contato da sola dos meus pés e me convida a soltar nele todo o cansaço de um dia de trabalho, todo o desejo de uma companhia, toda dificuldade de elaboração.
O chão que eu to pisando sustenta muita coisa
Mesmo frio
Mesmo pálido
O chão que eu piso
E me deito
É um chão que me acolhe.